quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Quarto capítulo e último (ufa!) - Richard

A partir desse momento da narrativa, me afasto da experiência vivida com o Richard e já apresento alguns desdobramentos. Coloquei no Google as palavras “budismo” e “nono sentido”. Não encontrei muita coisa. Descobri que esse “nono sentido” também pode ser chamado de “nono saber” ou “nona consciência”. Não encontrei textos budistas que se aprofundassem no assunto, mas achei um texto muito interessante, do Michael Serra, um menino de 22 anos, que procura explicar, através de vários conceitos, de diferentes mitos e religiões, “Os sentidos e a Divindade”.

http://taizen.net78.net/sentidos-ea-divindade.htm

Segundo o autor os cinco primeiros sentidos Visão, Audição, Olfato, Tato e Paladar proporcionam uma Percepção própria do mundo. “O Paladar proporcionou a Fala (Vac), o Tato a Locomoção (Sparsa), o Olfato a Respiração (Prana), a Audição o Equilíbrio (Shrotra), e a Visão a Perspectiva (Caksus)”. O sexto sentido estaria relacionado à “Intuição, Sincronia, Sintonia, Sinestesia, Empatia, Telepatia, Psicocinesia, Precognição, Levitação, Clarividência e outras manipulações mentais”. Eu, como praticante do método de Conscientização do Movimento de Angel Vianna, sempre ouvi dizer que o sexto sentido estaria relacionado à propriocepção. No livro “O Homem que confundiu sua mulher com um chapéu”, o neurologista Oliver Sacks, em um dos capítulos, conta o caso de uma mulher, “A dama sem corpo”, que perdeu o sentido da propriocepção. Sacks chama-o de “sentido oculto” (SACKS,1970, p. 51). Christina, uma jovem de 27 anos, antes de realizar uma cirurgia, e após ter um sonho, onde não sentia mais o seu corpo, viu seu sonho se tornar realidade: começou a perder a percepção do seu corpo, não conseguia mais ficar de pé, segurar qualquer objeto, suas mãos estavam descontroladas. Os médicos perceberam que ela mantinha o funcionamento dos músculos em perfeito estado, mas ela havia perdido a consciência do uso das partes de seu corpo. Com muito treinamento teve que substituir esse “sentido oculto”, pelo da visão. Dessa forma só conseguia se mover se olhasse firmemente para a parte do corpo que desejava movimentar.

Mas esse sexto sentido, como narrado acima, estaria relacionado também a um estado alterado de consciência, que podemos adquirir em uma prática de meditação, ou em uma aula de Conscientização do Movimento, ou em qualquer outro treinamento que tenha esse objetivo. Na minha concepção, o sexto sentido também estaria relacionado com o estado de “presença”. Segundo Cassiano Sydow Quilici em seu artigo “Proposições para um diálogo entre Artes Performativas e o Budismo”,

“Mais do que a simples aquisição e internalização de códigos artísticos e expressivos, o interesse contemporâneo tem se voltado, muitas vezes, para procedimentos que visam criar uma qualidade de presença e atenção que estaria na base da comunicação artística. O tema da percepção como uma espécie de ação primeira do artista torna-se assim bastante relevante para se pensar processos pedagógicos. Nesse sentido, o Budismo e outras tradições contemplativas dão-nos o exemplo de um caminho rigoroso de investigação da experiência do corpo-mente e do cultivo de modos de percepção e compreensão bastante sutis (...)”.

http://www.portalabrace.org/vicongresso/territorios/Cassiano%20Quilici%20-%20Proposi%E7%F5es%20para%20um%20Di%E1logo.pdf

Não vou desenvolver esse assunto agora, mas esse é um dos caminhos da minha pesquisa, que vislumbro com mais clareza, após realizar essa performance com o Richard. Para Hans Ulrich Gumbrecht, que procurou em seu livro “Produção de presença – o que o sentido não consegue transmitir”, fazer uma distinção do que seria produção de sentido e produção de presença, ele afirma que enquanto, em uma cultura do sentido, a “subjetividade” ou “o sujeito” ocupam o lugar da autorreferência humana, ou seja, o ser humano se entende excêntrico ao mundo, em uma cultura de presença “os seres humanos consideram que seus corpos fazem parte de uma cosmologia (ou de uma criação divina)” (GUMBRECHT, 2004, p. 106). Eles não se vêem excêntricos ao mundo, mas como parte do mundo.

Peço então licença aqui para falar dos vários corpos que nossa “Consciência” habita, segundo estudos de muitos pesquisadores espiritualistas. Pego como fonte o livro “A consciência encarnada e o corpo humano” de Geraldo Medeiros Jr. Na minha perspectiva esses vários corpos que habitamos podem ter uma relação direta com os sentidos referidos acima. Farei uma relação agora entre os quatro corpos, citados por Medeiros, e os nove sentidos citados por Serra.

Interessante observar que enquanto Serra dispõe os sentidos a partir dos mais “mundanos” (cinco sentidos, velhos conhecidos nossos), Medeiros apresenta os corpos do mais sutil para o mais denso, que seria o corpo físico. Segundo Lawrence LeShan em seu livro “O médium, o místico e o físico”, a nossa maneira habitual de encarar as coisas é dar mais importância ao indivíduo, a algo que é separado do todo, ao único. Então para nós é mais importante saber quem é determinada pessoa, depois se é homem ou mulher, depois que é um mamífero, animal, organismo vivo e assim sucessivamente. O autor percebeu que quando determinada pessoa se encontra em um estado de percepção paranormal, os aspectos mais importantes se voltam para a outra extremidade do espectro: “ao que se refere à sua generalidade ou a seu relacionamento.” (LESHAN, 1994, p. 47). Nesse estado de percepção extra-sensorial, “todas as ‘coisas’ (entidades e acontecimentos) estão relacionadas, e isto é o mais importante” (p.47).

Medeiros parte do Corpo Causal, que não tem forma e é uma energia extremamente sutil. Segundo ele, seria nesse receptáculo que a essência de um ser se separaria do Todo. Estaria relacionado, na minha visão, ao oitavo sentido, que, segundo Serra, seria a “Consciência acumulada”, que guarda toda a memória de um ser.

O Corpo Mental é um corpo sensível à captação de pensamentos e a atividades mentais de todos os tipos. Mais denso que o corpo causal, já possui uma forma. É nessa fase que grande parte da energia da consciência é direcionada para o complexo energético que compõe o sistema orgânico. Estaria relacionado com o sétimo sentido que, segundo Serra, “pela cabala é a união do Chiah (cosmo interior) com o Jechidah (cosmo exterior, mas não o Cosmo pleno). E somente é atingida quando a Ycchidah (essência individual, mas não individualista) se dissocia do egoísmo material (Asmita hindu), começando a adentrar os caminhos do universo”.

Para falar do Corpo Astral, Medeiros afirma que primeiro é necessário entender o que é o mundo astral: “O mundo astral constitui um universo definido paralelamente ao nosso universo. Este penetra e rodeia o mundo físico, mantendo-se, contudo imperceptível aos nossos meios vulgares de observação, por possuir um nível vibracional diferente do padrão físico” (p.25). Ele continua dizendo que se pegarmos um átomo físico e o desagregarmos, ele desaparecerá sob o ponto de vista físico, mas não como matéria astral. Esse corpo serve de coligação entre o corpo mental e o cérebro. Estaria relacionado ao sexto sentido que já foi falado acima.

O Corpo Físico, o único que geralmente entendemos como corpo, estaria, como todos nós sabemos, relacionado com os outros cinco sentidos. Alguns pesquisadores subdividem ainda mais os diferentes corpos. Alguns falam em corpo etéreo ou vital que seria o que dá vida ao nosso corpo físico. Ele não se separaria do corpo físico, só na morte. O corpo astral, segundo 100% dos pesquisadores (aos quais tive acesso), se separa do corpo físico todas as noites. Mesmo inconscientes realizamos viagens astrais sempre que dormimos.

E o “nono sentido” que Richard falou para mim enquanto comprávamos tomates para o cachorro-quente da festa da Antônia?

O Nono Sentido seria o Sentido dos Deuses, a "Vontade Divina". Unido de tal modo ao universo e suas forças, nada o prende, nada o limita. Seria o Todo, que, para os espiritualistas, seria o mais importante da vida, onde todas as energias se misturam e se relacionam sem distinção, quando já perdemos todos os nossos corpos e somos a própria luz divina.

Duas palavrinhas que Richard pronunciou enquanto comprávamos tomate me suscitaram um turbilhão de relações que espero desenvolver a partir de agora na minha pesquisa. Terminei o encontro com a família de Richard com um delicioso almoço feito e oferecido com muito carinho.

Referências bibliográficas:

GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de presença- o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2010.

LESHAN, Lawrence. O médium, o místico e o físico. São Paulo: Summus, 1994.

MEDEIROS JR., Geraldo. A Consciência encarnada e o corpo humano. São Paulo: Ìcone, 1995.

SACKS, Oliver. O homem que confundiu sua mulher com um chapéu. Rio de Janeiro: Imago, 1988.

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